Ciro Pessoa - o criador do Cabine C - foi também um dos fundadores do Titãs, grupo no qual permaneceu até momentos antes de seu primeiro lançamento oficial, em 1984. São dele algumas composições clássicas do grupo, como Sonífera Ilha e Homem Primata. Ciro decidiu sair do Titãs pois não estava gostando dos rumos "tropicalistas" e "reggae" que a banda seguia. Sua intenção era criar um grupo mais "roqueiro". Assim, em 1984, nascia o Cabine C.
A primeira formação do Cabine C contava com a esposa de Ciro, a tecladista Wania Forghieri, além de Edgard
Scandurra (guitarra), Charles Gavin (bateria) e Ricardo
Gaspa (baixo) - que havia substituído Sandra Coutinho (que
passaria a se dedicar unicamente ao grupo Mercenárias).
Essa formação
chegou a gravar uma demotape, apresentando uma sonoridade com
fortes acentos pop. É um item raríssimo, com faixas nunca lançadas oficialmente
como "O Lado Bom da Bomba", "Inundação de Amor" (depois
regravada pelo Ira) e "Fim de Serafim" (um poema musicado de Oswald
de Andrade). Com músicos de reconhecido talento, o grupo fez alguns shows
memoráveis em São Paulo, ganhando certa notoriedade no circuito alternativo.
O problema era que Edgar Scandurra também tocava no Ira, banda que
estava começando a explodir no cenário comercial. Sendo assim, provavelmente
sofrendo alguma pressão, ele abandonou a "aventura underground" do
Cabine C. Ricardo Gaspa também saiu do grupo, convidado a tocar no Ira. E
Charles Gavin foi para os Titãs, completando a debandada.
"O que acontece é que o Cabine C incomodava muito as outras bandas (...) Foi uma espécie de golpe mesmo" - Ciro para o programa Vitrola Verde.
A formação definitiva! |
"Somos um grupo que produz músicas sombrias porque a tristeza é um dos sentimentos mais ricos em beleza." - Ciro Pessoa para a Folha de SP.
"A melancolia é o mais legítimo
dos tons poéticos."
Marinella 7 parafraseando Poe para a Folha de SP.
Fósforos de Oxford (1987)
O disco foi lançado somente em 1987 (alguns sites apontam 1986, está errado!)
Curiosidade sobre o nome do disco: Marinella havia trazido de um bar de Bossa Nova em Oxford (Inglaterra), algumas caixas de fósforos que o estabelecimento oferecia como brinde. Os colegas gostaram de como isso soava e assim surgiu o nome do álbum.
O nome do grupo (retirado de um filme do Hitchcock e que remetia a
cabine de um navio) e a variedade das canções, que pareciam aportar
em vários locais, deram até um ar temático ao álbum.
"(O disco)
percorre um roteiro. Passa pelo Oriente Médio na música que dá título ao LP;
Buenos Aires no tango Lapso de Tempo; ou Japão através de Jardim das
Gueixas." - disse Ciro Pessoa para a Bizz. Do outro lado,
haviam as fortes referências literárias presentes em todo repertório
(principalmente Edgar Allan Poe e os existencialistas), resultando em
uma linda e atemporal obra.
O disco abre com Pânico
e Solidão, inspirada no livro "As aventuras de Arthur Gordon
Pym", de Edgar Allan Poe. A letra, que também pode ser interpretada como
uma metáfora para a inevitável decadência humana, é um resumo do espírito do
disco e combina perfeitamente com a melodia rasgante e fúnebre. Em seguida, a
minimalista Lapso de Tempo - influenciada pela marcação do tango
- segue a viagem rumo ao abismo, não perdoa e evoca o memento mori: "O
tempo está passando".
A terceira faixa é a sufocante Anos. Soando como X-Mal Deutschland, Ciro, Wania e
Anna gritam e repetem uma única frase - a acrônica e inevitável reflexão: "O que eu
tenho feito todos esses anos?".
O clima
desesperador do álbum dá uma breve trégua com a suave e paradisíaca Jardim
das Gueixas. Essa faixa conta com a participação de Akira (Akira S & As
Garotas que Erraram) no stick, um instrumento de cordas tocado com
ambas as mãos. O timbre misterioso confere um clima oriental e onírico à
canção. Uma curiosidade é que essa foi uma das poucas faixas que Ciro continuou
tocando em sua carreira solo. O lado A do álbum fecha com a faixa instrumental A
Queda do Solar de Usher. Baseada no conto homônimo de Poe, é
uma bela e singela peça atmosférica. Teclados lúgubres, guitarras ecoantes e a
surpreendente voz lírica de Marinella enaltecem o clima fantasmagórico do som.
O Lado B do disco
abre com a potente Lágrimas, uma cativante, enigmática e emocionante
canção de amor. Na sequência, temos a instrumental Opus 2 transbordando
melancolia em um ritmo cadenciado. A impecável Tão Perto, é tão
contagiante que se torna impossível não cantar junto alguns trechos desse
relato ambíguo sobre o amor e a vida. Enérgica e dançante, é também presença
constante nas pistas que conseguem manter viva a memória da produção dark
nacional do passado. Foi também a única que
conseguiu um relançamento. Em 2005, a faixa foi remasterizada para a seminal
coletânea de pós punk brasileiro: “The Sexual Life of the Savages”.
A quase valsa Soldadas,
é a canção mais política do disco. Mas vai além de um simples discurso
antibélico, afinal: "A guerra somos nós dois / a guerra são eles três / a
guerra está no falar / a guerra não se acaba". Já a umbrosa Neste
Deserto - outro grande destaque - tem um clima desolador que nos remete a
uma viagem solitária em paisagens áridas. A inspiração é no filósofo budista
Nagarjuna. Aqui, a sonoridade gótica é levada aos últimos limites, casando com
a poesia inspiradamente niilista de Ciro: "Sei que te amo / mas isso é
pouco / pode ser tudo / mas tudo é nada". Pois é, nem o amor salva na dura
viagem do Cabine C. E o desfecho primoroso do LP se dá com o instrumental inebriante de Fósforos de Oxford, de sabor árabe e lembrando alguns
momentos de Dead Can Dance.
O álbum, no geral, foi muito bem recebido pela crítica. O pós punk soturno e melancólico do grupo agradava principalmente porque soava autêntico e se diferenciava das outras bandas do mercado. Fósforos estava em plena consonância com um fenômeno que era chamado de gótico, sobretudo na Inglaterra. Antes desse álbum, nada havia sido feito no Brasil com tal consistência.
O fato é que o Fósforos de Oxford não vendeu como o esperado. Cerca de oito mil cópias foram vendidas, pouco para as altas expectativas da incipiente gravadora que alçava vôos mais altos. Mas é importante observar que essas marcas foram alcançadas sem uma distribuição eficaz e sem nenhum esquema de divulgação, em um dos casos mais emblemáticos da indústria fonográfica brasileira. A RPM Discos foi a falência logo após essa presepada, gerando uma longa disputa judicial entre seus representantes e Ciro (a gravadora também cobrava um empréstimo que havia feito a banda). Esse estresse acabou afetando o grupo, que (também devido conflitos internos) começou a se desfazer.
Marinella e Anna Ruth deixaram a banda. Dois argentinos chegaram a substituí-las por um tempo e Ciro se esforçava para lançar material novo. Quatro músicas chegaram a entrar no repertório: "Acidentes", "Recado Chinês", "Cotonetes Disco Nexos" e "Nossas Cabeças são Nossos Erros". Uma versão de "Sete Nomes", excelente música do Smack, também era tocada nas apresentações. Mas o segundo disco (que já tinha até nome: Cotonetes Disco Nexos) efetivamente nunca saiu do papel.
Ciro Pessoa:
"A verdade é que foi ficando cada vez mais difícil fazer shows, sobreviver [...] Fomos nos cansando desta história ridícula, limitada e preconceituosa que é a música no Brasil e nossa resistência no underground foi chegando ao fim".
Décadas depois, Marinella também deu sua versão para a revista Cult_47:
"Acho que as relações pessoais entre nós quatro começou a se confundir, e por conta disso houve uma implosão. Não levamos este trabalho adiante por causa disto. Não vou entrar em detalhes, pois isto diz respeito não só a mim, e respeito a privacidade deles também. E as vezes um trabalho artístico é como um ciclo, tudo tem seu tempo, começo, meio e fim".
Mais tarde, Ciro prosseguiu sua carreira musical se dedicando ao projeto Flying Chair. "Pânico e Solidão" e "Jardim das Gueixas" eram músicas do Cabine C executadas nas apresentações do grupo. Além disso, um documentário sobre a carreira de Ciro começou a ser produzido.
Na madrugada do dia 05/05/2020, em meio a pandemia da Covid-19, Ciro Pessoa faleceu.
Sua obra permanecerá na eternidade.
Matéria: Sad Freon.
Fontes:
Revista Bizz
Blog Disco Furado
Jornal Folha de São Paulo
Jornal O Estado de São Paulo
Programa Vitrola Verde
Arquivo Pessoal Freon e Cid
PARABÉNS e muitíssimo obrigado por me trazer a este site raríssimo. Pois raras são as pessoas afortunadas com informação e com sensibilidade para apreciar a beleza na tristeza e a energia do lado sombrio da música.
ResponderExcluirÓtima matéria , é uma pena que uma banda maravilhosa como o Cabine C tenha se desfeito .Não me canso de ouvir , e com o passar do tempo o Cabine vai virando mais lendário e marcante no underground brasileiro .Banda Dark , Brasileira , que canta em português e ainda segue fortes influencias de poetas malditos e musicalidade post punk ...Não tinha como não ser um trabalho maravilhoso , de qualidade e prestígio .Dá um banho em muitas bandas da gringa !
ResponderExcluirSaudades...
ResponderExcluirÓtimo texto parabéns a quem o escreveu, uma justa Homenagem ao Ciro Pessoa.
ResponderExcluirótimo o registro sobre a banda CABINE C ...virou cult!! Abraços. Marcelo Buzato. CWB.
ResponderExcluirRIP CIRO PESSOA
ResponderExcluirTão Perto
ResponderExcluirhttps://www.youtube.com/watch?v=GO--fGcN4bw
Neste Deserto
https://www.youtube.com/watch?v=K6Wedqpe5ek
https://www.youtube.com/watch?v=blfRZU3Pyrs
Lágrimas
https://www.youtube.com/watch?v=zYy4keMz_Kk
Pânico e Solidão
https://www.youtube.com/watch?v=_XNHkzBlolA
A Queda do Solar de Usher
https://www.youtube.com/watch?v=zYy4keMz_Kk
Opus 2
https://www.youtube.com/watch?v=nnTmBoW30Vw
Jardim das Gueixas
https://www.youtube.com/watch?v=1dmOq3qOpY4
Soldadas
https://www.youtube.com/watch?v=K9oMw8t5imQ
Lapso de Tempo
https://www.youtube.com/watch?v=fUniBgrQAQw
Fósforos de Oxford
https://www.youtube.com/watch?v=Ng5Pop1rGXQ
Anos
https://www.youtube.com/watch?v=lGur_rXuyak
Recado Chinês
https://www.youtube.com/watch?v=iMvTURsl6Uw
Nossas Cabeças São Nossos Erros
https://www.youtube.com/watch?v=oK3GT8YhAF0
Cotonetes Desconexos
https://www.youtube.com/watch?v=ZQDCaImwASI