sexta-feira, 1 de janeiro de 2016

X-MAL DEUTSCHLAND



Um expoente da chamada Neue Deutsche Welle. Pioneiras da primeira onda do gótico alemão. Um grande nome do pós punk mundial. Além disso, o som marcante e o vocal inconfundível não deixam dúvidas: estamos falando de Xmal Deutschland! 

O grupo nasceu em 1980, na cidade de Hamburgo - Alemanha. O nome foi inspirado no livro homônimo de Rudolf Walter Leonhardt (o livro é um tratado sociopolítico da Alemanha dos anos 50). A formação inicial da banda contava exclusivamente com garotas: Anja Huwe (vocal), Manuela Rickers (guitarra), Fiona Sangster (teclados), Caro May (bateria) e Rita Simon (baixo). Em comum entre elas estava a raiva, a resignação e a sede de expressão típicas daqueles anos, além da inexperiência musical e os gostos musicais semelhantes.

"Tudo começou em 1980 porque todos nossos amigos estavam em bandas punk."
Anja em uma entrevista para o site Post-Punk.com. 

Naqueles tempos, a vocalista Anja dividia um apartamento na Alemanha com uma galera que incluía membros do seminal grupo de experimental-industrial Einstürzende Neubauten e a notória Christiane F (aquela mesmo do livro/filme), cada um deles buscando um caminho, identidade, aventura e relevância sociocultural.

O primeiro single "Schwarze Welt" (Mundo Negro em alemão), foi lançado em 1981 pela pequena gravadora alemã ZickZack Records. São três faixas matadoras, com um som enérgico, intenso e uma atmosfera opressiva cheia de paixão e desespero. O uso de sintetizadores dá um toque eletrônico ao pós punk do grupo e a emblemática voz de Anja Huwe funciona como um instrumento que amarra todos os outros. Excelente estreia!


O clássico primeiro registro: Schwarze Welt!


A formação inicial, só com garotas.
Manuela Rickers, Caro May, Rita Simon, Fiona Sangster e, agachada, Anja Huwe.


Pouco depois, a baixista Rita Simon deixaria a banda, sendo substituída por Wolfgang Ellerbrock. A baterista Caro May também sairia para a entrada de Manuela Zwingmann.

Praticamente ignorados em sua terra natal, o grupo - mesmo cantando em alemão - despertou muita atenção na Inglaterra. O lançamento do primeiro EP "Incubus Succubus" (1982), impulsionou ainda mais a banda. A faixa Incubus Succubus, com sua temática mística e obscura (Incubus e Succubus são demônios que durante a noite se alimentam sexualmente da energia dos humanos) tornou-se um pequeno hit do underground e catapultou o Xmal como uma das novidades mais adoradas pelos amantes do gothic rock e pós punk. 


Wolfgang Ellerbrock, Manuela Rickers, Manuela Zwingmann, Anja Huwe e Fiona Sangster.


Fizeram uma impressionante turnê com o Cocteau Twins e logo foram procuradas por muitas gravadoras. Assinaram com a 4AD - o emblemático selo alternativo que lançou vários grandes nomes do pós punk.



Seu tormento é meu desejo
Meu amor é sua morte
A noite quando você dorme eu estou vivo
Meu berço é a sua sepultura
Eu irei te matar
(Qual)

Em 1983, foi lançado o aguardado primeiro álbum: Fetisch. Apresentando faixas inesquecíveis como QualYoung Man, Orient, Hand In Hand e Boomerang, é mais um clássico imprescindível do pós punk. O contraste entre a fúria e a agressividade das músicas e as letras soturnas definiram o X-Mal como um dos grandes nomes do gótico. No mesmo ano saiu também o single de Qual, em uma maravilhosa versão, estendida e dançante; e também o single de Incubus Succubus II - uma nova versão da música que se tornaria presença obrigatória até os dias de hoje em qualquer festa gótica.

A baterista Manuela Zwingmann deixaria a banda depois de um ano, sendo substituída por Peter Bellendir. Ela chegaria a participar brevemente do All About EveA nova formação da banda com Anja Huwe, Manuela Rickers, Fiona Sangster, Wolfgang Ellerbrock e Peter Bellendir seria a mais duradoura da trajetória do Xmal Deutschland.





Vida e Morte
Sol e Lua.
Frio e Calor
Negro e vermelho
Corpo e Alma
Amor e Caos
Desperta novas vidas para minha tarefa
(Incubus Succubus II)


O segundo disco, Tocsin, foi lançado em 1984. Com os destaques Mondlicht, Eiland, Augen-Blick, Nachtschatten e a finalmente lançada em um álbum Incubus Succubus II, mantém a qualidade do trabalho anterior, mas pode-se notar uma produção mais refinada e uma atmosfera gótica mais saliente. A essa altura, Anja "disputava" com Siouxsie o posto de "rainha gótica", tamanha era a popularidade do Xmal. Esse disco também rendeu a primeira turnê pela Europa e América. 



Por tempo determinado
Espetacular
E nas avenidas
 eles celebram o jogo
Sobre a devoção ou a morte
(Matador)


Nessa época, inúmeras tentativas foram feitas para seduzir Anja a seguir carreira solo. Anja: "Eu sou a vocalista, eu sou apenas parte da banda. Sem a banda eu não sou ninguém." Uma curiosidade é que Anja chegou até mesmo a ser procurada para ser uma possível substituta de Bjork nos Sugarcubes. 

Devido discordâncias com a 4AD, o grupo deixou a gravadora e criou seu próprio selo: XILE. O single Matador, lançado em 1986, se tornou o maior sucesso da banda, alcançando o topo das paradas alternativas.

Em 1987, lançam o terceiro álbum Viva. Talvez o álbum de maior sucesso do grupo, é um disco menos furioso e caótico que os álbuns anteriores (mas não menos melancólico), apresentando elementos da new wave e com muitas composições em inglês. Aqui o Xmal encontrou um meio termo entre o underground e o comercial, de uma forma que não prejudicou a essência do grupo. Destaque para Matador, Eisengrau, Morning (um poema musicado de Emily Dickinson), Manchmal e PolarlichtMas após a turnê de divulgação, Manuela, Fiona e Peter deixaram o grupo. Essa debandada seria o início do fim...



A vida é uma selva
Então todo mundo sabe
Nós ganhamos e perdemos
Assim que funciona
É apenas um jogo - sempre igual
Nós lutamos por amor e lutamos em vão
Mas o que é o inferno - alguém pode dizer?
(When Devils Come)


O álbum Devils foi lançado em 1989 pela gigante Polygram. Rendida as pressões, Anja agora cantava todas as faixas em inglês. Musicalmente, o grupo se afastava do pós punk e do gótico dos primeiros trabalhos e ficava mais palatável, as vezes ensolarado e se aproximando de um som comercial. Apesar de não ser o nosso estilo preferido, ainda é possível destacar algumas músicas inspiradas como When Devils Come, Dreamhouse e I Should Have Known. Mas esse seria o último disco do Xmal. Jogados aos cruéis ditames e exigências do mainstream, o grupo não sobreviveria por muito tempo.


Anja seguiu carreira nas artes plásticas.

E assim, um grupo que falava tão bem o espírito da Guerra Fria, expressando todo o medo, a angustia e a raiva inerentes ao seu tempo, cairia melancolicamente junto com o Muro de Berlim. Entretanto, tempos depois, seriam venerados e eternizados no underground, como um dos grandes nomes mundiais do pós punk e do gothic rock.




Fontes:
4AD - Site
Gothic Rock Black Book - Livro
Post-Punk.com - Site
Wikipedia - Site



ÁLBUNS DISPONÍVEIS:




quarta-feira, 28 de outubro de 2015

CABINE C


Uma verdadeira joia rara do pós punk nacional. Apreciado pelos darques do passado, pelos góticos do presente e até hoje procurado pelos mais atentos admiradores do rock alternativo brasileiro, o Cabine C é considerado um dos grandes nomes do chamado "movimento dark" e, na minha opinião, um dos pioneiros do gótico na América do Sul.

Ciro Pessoa - o criador do Cabine C - foi também um dos fundadores do Titãs, grupo no qual permaneceu até momentos antes de seu primeiro lançamento oficial, em 1984. São dele algumas composições clássicas do grupo, como Sonífera Ilha e Homem Primata. Ciro decidiu sair do Titãs pois não estava gostando dos rumos "tropicalistas" e "reggae" que a banda seguia. Sua intenção era criar um grupo mais "roqueiro". Assim, em 1984, nascia o Cabine C.



A primeira formação do Cabine C contava com a esposa de Ciro, a tecladista Wania Forghieri, além de Edgard Scandurra (guitarra), Charles Gavin (bateria) e Ricardo Gaspa (baixo) - que havia substituído Sandra Coutinho (que passaria a se dedicar unicamente ao grupo Mercenárias).
Essa formação chegou a gravar uma demotape, apresentando uma sonoridade com fortes acentos pop. É um item raríssimo, com faixas nunca lançadas oficialmente como "O Lado Bom da Bomba", "Inundação de Amor" (depois regravada pelo Ira) e "Fim de Serafim" (um poema musicado de Oswald de Andrade). Com músicos de reconhecido talento, o grupo fez alguns shows memoráveis em São Paulo, ganhando certa notoriedade no circuito alternativo.

O problema era que Edgar Scandurra também tocava no Ira, banda que estava começando a explodir no cenário comercial. Sendo assim, provavelmente sofrendo alguma pressão, ele abandonou a "aventura underground" do Cabine C. Ricardo Gaspa também saiu do grupo, convidado a tocar no Ira. E Charles Gavin foi para os Titãs, completando a debandada.


"O que acontece é que o Cabine C incomodava muito as outras bandas (...) Foi uma espécie de golpe mesmo" - Ciro para o programa Vitrola Verde.

A primeira formação do Cabine C: Gaspa, Scandurra, Wania, Ciro e Charles Gavin.


Após esse grave baque, o Cabine C ficou um bom tempo inativo, buscando uma reformulação. Mas após um longo hiato, a banda renasceu das cinzas com sua nova e definitiva formação: Ciro Pessoa (voz e guitarra), Wania Forghieri (teclados) e as novas integrantes Anna Ruth (baixo) e Marinella 7 (bateria). E a partir de então, o pós punk do grupo assumiu de vez sua identidade: sombrio, em algum lugar entre o desespero e a delicadeza.


A formação definitiva!

Ciro se inspirava em nomes como Edgar Allan Poe, Baudelaire e Arthur Rimbaud, para produzir uma poesia altamente existencialista e desoladora. A sonoridade do grupo remetia a nomes como Siouxsie & The Banshees, X-Mal Deutschland, Cocteau Twins e também tinha algumas características da coldwave francesa, mas com uma alma própria. Esses ingredientes combinados com a estética do grupo, agradaram em cheio aos darques da época e a banda logo ganhou esse "rótulo". Ciro também foi apresentado como  uma espécie de porta-voz dos darques em uma matéria emblemática do jornal Estado de São Paulo. Como tantas outras bandas da época, eles procuraram rechaçar a alcunha, apesar de ser inegável que o Cabine C estava totalmente submerso nessa atmosfera.

"Somos um grupo que produz músicas sombrias porque a tristeza é um dos sentimentos mais ricos em beleza." - Ciro Pessoa para a Folha de SP.

"A melancolia é o mais legítimo dos tons poéticos."
Marinella 7 parafraseando Poe para a Folha de SP.



O grupo ganhava muitos admiradores, tornando-se um dos favoritos dos porões paulistanos. Assim, surgiu o convite da recém criada RPM Discos (gravadora do grupo RPM) para finalmente lançarem um álbum. Refletindo sobre a tensão de entrar no concorrido circuito comercial, Ciro Pessoa disse para a revista Bizz: "Vamos ser jogados aos leões, não sabemos se vamos domá-los ou ser comidos".



Fósforos de Oxford (1987)
O disco foi lançado somente em 1987 (alguns sites apontam 1986, está errado!)
Curiosidade sobre o nome do disco: Marinella havia trazido de um bar de Bossa Nova em Oxford (Inglaterra), algumas caixas de fósforos que o estabelecimento oferecia como brinde. Os colegas gostaram de como isso soava e assim surgiu o nome do álbum.


O nome do grupo (retirado de um filme do Hitchcock e que remetia a cabine de um navio) e a variedade das canções, que pareciam aportar em vários locais, deram até um ar temático ao álbum.
"(O disco) percorre um roteiro. Passa pelo Oriente Médio na música que dá título ao LP; Buenos Aires no tango Lapso de Tempo; ou Japão através de Jardim das Gueixas." - disse Ciro Pessoa para a Bizz. Do outro lado, haviam as fortes referências literárias presentes em todo repertório (principalmente Edgar Allan Poe e os existencialistas), resultando em uma linda e atemporal obra. 

O disco abre com Pânico e Solidão, inspirada no livro "As aventuras de Arthur Gordon Pym", de Edgar Allan Poe. A letra, que também pode ser interpretada como uma metáfora para a inevitável decadência humana, é um resumo do espírito do disco e combina perfeitamente com a melodia rasgante e fúnebre. Em seguida, a minimalista Lapso de Tempo - influenciada pela marcação do tango - segue a viagem rumo ao abismo, não perdoa e evoca o memento mori: "O tempo está passando".
A terceira faixa é a sufocante
Anos. Soando como X-Mal Deutschland, Ciro, Wania e Anna gritam e repetem uma única frase - a acrônica e inevitável reflexão: "O que eu tenho feito todos esses anos?".

O clima desesperador do álbum dá uma breve trégua com a suave e paradisíaca Jardim das Gueixas. Essa faixa conta com a participação de Akira (Akira S & As Garotas que Erraram) no stick, um instrumento de cordas tocado com ambas as mãos. O timbre misterioso confere um clima oriental e onírico à canção. Uma curiosidade é que essa foi uma das poucas faixas que Ciro continuou tocando em sua carreira solo. O lado A do álbum fecha com a faixa instrumental A Queda do Solar de Usher. Baseada no conto homônimo de Poe, é uma bela e singela peça atmosférica. Teclados lúgubres, guitarras ecoantes e a surpreendente voz lírica de Marinella enaltecem o clima fantasmagórico do som.

O Lado B do disco abre com a potente Lágrimas, uma cativante, enigmática e emocionante canção de amor. Na sequência, temos a instrumental Opus 2 transbordando melancolia em um ritmo cadenciado. A impecável Tão Perto, é tão contagiante que se torna impossível não cantar junto alguns trechos desse relato ambíguo sobre o amor e a vida. Enérgica e dançante, é também presença constante nas pistas que conseguem manter viva a memória da produção dark nacional do passado. Foi também a única que conseguiu um relançamento. Em 2005, a faixa foi remasterizada para a seminal coletânea de pós punk brasileiro: “The Sexual Life of the Savages”.

A quase valsa Soldadas, é a canção mais política do disco. Mas vai além de um simples discurso antibélico, afinal: "A guerra somos nós dois / a guerra são eles três / a guerra está no falar / a guerra não se acaba". Já a umbrosa Neste Deserto - outro grande destaque - tem um clima desolador que nos remete a uma viagem solitária em paisagens áridas. A inspiração é no filósofo budista Nagarjuna. Aqui, a sonoridade gótica é levada aos últimos limites, casando com a poesia inspiradamente niilista de Ciro: "Sei que te amo / mas isso é pouco / pode ser tudo / mas tudo é nada". Pois é, nem o amor salva na dura viagem do Cabine C. E o desfecho primoroso do LP se dá com o instrumental inebriante de Fósforos de Oxford, de sabor árabe e lembrando alguns momentos de Dead Can Dance.

O álbum, no geral, foi muito bem recebido pela crítica. O pós punk soturno e melancólico do grupo agradava principalmente porque soava autêntico e se diferenciava das outras bandas do mercado. Fósforos estava em plena consonância com um fenômeno que era chamado de gótico, sobretudo na Inglaterra. Antes desse álbum, nada havia sido feito no Brasil com tal consistência.





O fato é que o Fósforos de Oxford não vendeu como o esperado. Cerca de oito mil cópias foram vendidas, pouco para as altas expectativas da incipiente gravadora que alçava vôos mais altos. Mas é importante observar que essas marcas foram alcançadas sem uma distribuição eficaz e sem nenhum esquema de divulgação, em um dos casos mais emblemáticos da indústria fonográfica brasileira. A RPM Discos foi a falência logo após essa presepada, gerando uma longa disputa judicial entre seus representantes e Ciro (a gravadora também cobrava um empréstimo que havia feito a banda). Esse estresse acabou afetando o grupo, que (também devido conflitos internos) começou a se desfazer.

Marinella e Anna Ruth deixaram a banda. Dois argentinos chegaram a substituí-las por um tempo e Ciro se esforçava para lançar material novo. Quatro músicas chegaram a entrar no repertório: "Acidentes", "Recado Chinês", "Cotonetes Disco Nexos" e "Nossas Cabeças são Nossos Erros". Uma versão de "Sete Nomes", excelente música do Smack, também era tocada nas apresentações. Mas o segundo disco (que já tinha até nome: Cotonetes Disco Nexos) efetivamente nunca saiu do papel.


Ciro Pessoa:
"A verdade é que foi ficando cada vez mais difícil fazer shows, sobreviver [...] Fomos nos cansando desta história ridícula, limitada e preconceituosa que é a música no Brasil e nossa resistência no underground foi chegando ao fim".

Décadas depois, Marinella também deu sua versão para a revista Cult_47: 
"Acho que as relações pessoais entre nós quatro começou a se confundir, e por conta disso houve uma implosão. Não levamos este trabalho adiante por causa disto. Não vou entrar em detalhes, pois isto diz respeito não só a mim, e respeito a privacidade deles também. E as vezes um trabalho artístico é como um ciclo, tudo tem seu tempo, começo, meio e fim".




Com o fim do Cabine C, Ciro se viu envolto em problemas de dependência química, o que o fez se afastar da música por um longo tempo. Manteve ainda carreira de escritor, trabalhando em diversas revistas e - anos mais tarde - seguiu carreira solo, onde tem dois álbuns lançados: "No meio da chuva eu grito Help" (2003) e "Em dia com a Rebeldia" (2010). Ambos distantes da sonoridade do Cabine C, mas bons discos de rock em meio ao marasmo do rock mainstream brasileiro.

Mais tarde, Ciro prosseguiu sua carreira musical se dedicando ao projeto Flying Chair. "Pânico e Solidão" e "Jardim das Gueixas" eram músicas do Cabine C executadas nas apresentações do grupo. Além disso, u
m documentário sobre a carreira de Ciro começou a ser produzido.



Na madrugada do dia 05/05/2020, em meio a pandemia da Covid-19, Ciro Pessoa faleceu.
Sua obra permanecerá na eternidade.



Matéria: Sad Freon.
Fontes:
Revista Bizz
Blog Disco Furado
Jornal Folha de São Paulo
Jornal O Estado de São Paulo
Programa Vitrola Verde
Arquivo Pessoal Freon e Cid


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sábado, 5 de setembro de 2015

BAUHAUS



Um grupo seminal do pós punk, tidos como os 
"fundadores" do rock gótico. Uma banda que também ultrapassava os limites desses estilos. Um nome essencial para entender toda a efervescência criativa dos anos 80. Simplesmente Bauhaus.

Formado em 1978, em Northampton - Inglaterra, o grupo era composto por Daniel Ash (guitarra - o mentor do projeto), Peter Murphy (vocal) e os irmãos David J (baixo) e Kevin Haskins (bateria). O nome da banda faz referência ao revolucionário estilo de design (odiado pelos nazistas) lançado pelo arquiteto alemão Walter Gropius, em 1919 (aliás, o primeiro nome da banda foi Bauhaus 1919). Isso deu ao grupo um certo charme cult e uma misteriosa aura artística que também sugeria uma ligação com a decadência da Berlim da década de 1920. A escola Bauhaus também era tida como um desenvolvimento do Expressionismo. O estilo Bauhaus era associado com os artistas expressionistas que fizeram a iluminação e os cenários de filmes de horror alemães, como "O Gabinete do Dr. Caligari" e "Nosferatu". E foi a estética desses filmes que serviu de combustão para formar a alma e a identidade do Bauhaus. Sem saber, a banda estava lançando todo um legado.



No link abaixo, vídeo de um dos primeiros shows do Bauhaus, em janeiro de 1979:




"The shadow is cast".



O grupo foi "acusado" pela imprensa musical de tentar "ressuscitar" o glam rock, com toda sua teatralidade e androginia. Os críticos também os via como sombras pálidas de dois ícones considerados sagrados pelos jornalistas do rock britânico: O Bowie da década de 1970 e o punk rock. É claro que eles eram influenciados por David Bowie - a maioria das bandas do fim da década de 1970 e do início de 1980 tinha uma dívida criativa com Bowie - e pelo punk rock. Mas o Bauhaus agregou outros ingredientes variados e exóticos em sua alquimia sonora, criando uma infusão única (Goth Chic, 2006).






Em 1979, eles lançaram o single "Bela Lugosi's Dead". Curiosamente, a capa original não traz uma cena de Drácula e sim uma cena de "The Sorrows of Satan" (um filme mudo de 1925).


A faixa homônima - um tributo ao ator Bela Lugosi e sua aclamada interpretação de Drácula (1931) - é cheia de efeitos que simulam o som de asas de morcego batendo. Traz ainda um baixo sombriamente minimalista, microfonias de guitarra, uma bateria repetitiva e marcante, além de um vocal deliciosamente dramático. Assim é a canção em seus quase dez minutos: sombria e misteriosa. O cartão de visitas perfeito para o Bauhaus (ironicamente, os músicos também apontaram inspirações da brasileiríssima e ensolarada bossa nova na construção da música). Atualmente, existe um consenso de que esse foi o primeiro rock gótico lançado. Um verdadeiro hino! Após isso, o grupo assinou com a 4AD. Foi o primeiro grande lançamento da gravadora que depois se tornaria um dos selos alternativos mais elegantes daquele tempo, lançando nomes como Dead Can Dance, Cocteau Twins e Clan of Xymox. Em 1980, mais três singles foram lançados: "Dark Entries", "Terror Couple Kill Colonel" e "Telegram Sam". Mas o melhor ainda estava por vir, com o lançamento do primeiro álbum.



Um barril de pólvora incendiário, repleto de ritmos irregulares, letras ácidas e vocais descontrolados. 
Lançado em 1980, "In The Flat Field", vai além do que o quarteto já havia apresentado em seus singles de estreia. Em suas 9 faixas, esse álbum se mostra intenso, diversificado e coeso. Uma aula de simplicidade e crueza, sem soar banal. Destaque para os petardos sonoros: Double Dare e In The Flat Field; entre outras músicas marcantes como a contundente God In An Alcove, a enigmática Spy In The Cab, o tributo agonizante a Stigmata Martyr e o nervosismo crescente de Nerves. Essencial!




Em 1981, agora pela gravadora Beggars Banquet, foi lançado o segundo álbum: "Mask". Considerado por muitos o auge da banda, é também o álbum mais gótico da discografia do grupo. Apresenta um grupo mais maduro e um excelente repertório. As letras, dramáticas, também merecem destaque. Apesar de algumas faixas mais acessíveis, a atmosfera continua densa e o espírito criativo e artístico do pós punk cada vez mais pulsante. Repleto de faixas antológicas como o réquiem das paixões trágicas Passion of Lovers e o hino deliciosamente soturno Mask; além de outros destaques como a obscura Hair of the Dog, a profunda Hollow Hills, o swing de Kick in the Eye e a contagiante The Man With The X-Ray Eyes. 



O vídeo clipe expressionista de Mask - em nossa opinião, o melhor do Bauhaus. Clássico!




Em "Sky's Gone Out", lançado em 1982, nota-se um trabalho diferente dos anteriores, mais eclético e ousado. Claramente o grupo atingia o seu pico experimental. Como disse um crítico muito sagaz: "Se o gótico e a psicodelia se casaram em algum matrimônio profano, essa seria a marcha nupcial". Destaques para o cover de Brian Eno em Third Uncle, a insana Silent Hedge, a catarse teatral de Spirit
o épico progressivo em três partes The Three Shadows, a melancolia ao violão de All We Ever Wanted Was Everthing e a experimental Exquisite Corpse. Para ser ouvido sem preconceitos.


O single de Ziggy Stardust, lançado no mesmo ano, foi o maior sucesso comercial do grupo. Esse cover de David Bowie traduzia aquilo que o Bauhaus chamava de "Dark Glam".





Em "Burning from the Inside", lançado em 1983, as experimentações prosseguiram. Mas o grupo já demonstrava sinais de esgotamento. O fim da banda era iminente e inevitável e, de certa forma, isso já estava se refletindo na música. Independente disso, o disco tem bons momentos e merece atenção. O destaque maior fica para a inesquecível She's in Parties. A ótima Antonin Artaud reverencia outra forte inspiração da banda (o dramaturgo do Teatro da Crueldade). Além delas, também destacaria a delicada e meio spoken word Who Killed Mr.Moonlight? (na voz de David J) e Slice of Life (na voz de Daniel Ash). As ótimas Lagartija NickSanity Assassin, que sairam em single, também merecem citação.

Logo o grupo se dissolveria por completo. Dizem que o estopim da separação do Bauhaus foi a participação do grupo no filme The Hunger (Fome de Viver). Peter Murphy se tornou o centro das atenções à custa dos outros membros, que foram praticamente excluídos da cena em que participam. Existem muitas especulações em torno do término da banda - inclusive dois livros abordam esse tema: a biografia "Dark Entries", de Ian Shirley e "Who Killed Mister Moonlight?", escrito pelo ex-baixista David J. Mas não nos interessa aqui discutir os motivos do término da banda, talvez apenas lamentar...

Com o dissolvimento do Bauhaus, todos seguiram outros projetos, dos quais faremos um apanhado geral:



O Tones on Tail, formado em 1982, inicialmente era um projeto paralelo de Daniel Ash com seu amigo e rodie do Bauhaus, Glenn Campling. Com o fim do Bauhaus, o baterista Kevin Haskins juntou-se ao grupo. Lançaram apenas um álbum: Pop (1984) e alguns compactos. 

Com muitas músicas instrumentais, o som do grupo é uma mistura de post punk, pop rock, rock alternativo e alguns flertes com o rockabilly. Um crítico os definiu com maestria: "doom-and-dance-pop". Com apelo dançante e mantendo em algumas faixas a atmosfera dark do Bauhaus, é um grupo bastante apreciado pelos góticos.

Destaques para o maior dos hits, Go, além de outras úsicas de igual potencial como Burning SkiesLions e Performance (minhas preferidas).


Em 1985, após o término do Tones on Tail, Daniel Ash, Kevin Haskins e David J. criaram o Love and Rockets. Basicamente, era o Bauhaus sem o Peter Murphy. Mas o grupo afastou-se progressivamente dos temas obscuros e do pós punk, ficando mais acessível ao grande público. O som também é diversificado, fundindo rock alternativo e psicodelia com elementos da musica pop (os últimos lançamentos também apresentam uma sonoridade mais eletrônica). O resultado foi uma melodia envolvente, popularidade entre os "indies" da época e sucesso comercial. Lançaram sete álbuns e vários singles.

Destaque para o sucesso So Alive e outras faixas como Ball of ConfusionKundalini Express e No New Tale To Tell.





O Dalis Car foi formado em 1984, por Peter Murphy e Mick Karn (ex integrante do grupo Japan). Lançaram apenas um disco: The Waking Hour (1984). A base do som era constituída por teclado e baixo e apresentava um forte apelo experimental. Após anos de hiato, a dupla ainda lançaria um EP em 2012, no último suspiro dessa aventura pouco explorada chamada Dalis Car.

Destaques: The Judgement Is The MirrorCornwall Stone, Create and Melt e Sound Cloud.




Daniel Ash, David e Kevin dando um rolê e fazendo um som pela cidade, vestidos de... abelhas (???).
 Esse foi o The Bubblemen - "projeto paralelo" do Love & Rockets. Lançaram 1 single em 1988.


Após a aventura experimental do Dalis Car, Peter Murphy lançou-se em carreira solo e alcançou o mesmo sucesso comercial de seus ex-companheiros de Bauhaus. Até o momento foram 10 discos lançados (considerando somente os de inéditas) e alguns reconhecidos sucessos, como: All Night Long, Indigo EyesCuts You Up A Strange Kind of Love.
É importante destacar ainda a pouco comentada carreira solo de Daniel Ash. Com 3 discos lançados, ele explora novos horizontes, como a chill-out, o dreampop e nuances eletrônicas, fazendo uma música que esbanja elegância e sensualidade. David J também traçou uma interessante carreira solo, explorando o jazz e outros ritmos intimistas, com colaboração de vários artistas como a pianista Jill Tracy e o quadrinista Alan Moore.




Durante a "hibernação" do Bauhaus, o grupo até chegou a se reunir algumas vezes, mas sem lançar nenhum material inédito. Em 1999, houve uma aguardada turnê registrada no DVD Gotham. E em 2008, após 25 anos sem inéditas, o Bauhaus finalmente se reuniu para lançar Go Away White. O disco comprovou que o grupo ainda tinha fôlego.
Apesar de distante do pós punk oitentista, o álbum traz um som renovado e moderno. É um rock cru, direto e bem executado por músicos experientes e seguros. Mesmo longe da minha fase preferida, mata a saudade. 
Destaques: Adrenaline, Endless Summer of the Damned, Black Stone Heart e The Dog's A Vapour. 

Bauhaus e o Gótico: Ainda que, com frequência, tenham rejeitado a "pecha" de góticos, é inegável que o Bauhaus esteve profundamente imerso nesse universo e seja considerado um dos "pais" do estilo. As referências traduzidas na sonoridade e no visual, além da performance, serviram de base propulsora para muitas bandas que surgiriam a seguir e também de inspiração para um emergente publico que consolidaria a identidade da moderna subcultura gótica. Um nome básico.




Matéria: Guilherme Freon

Fontes:
4AD - Site
Dark Entries - Livro
Goth Chic - Livro
Post-Punk.com - Site
Wikipedia - Site
Arquivo Pessoal Freon



ÁLBUNS DISPONÍVEIS:



 

sábado, 18 de julho de 2015

CLAN OF XYMOX




O Clan of Xymox é um grupo que pode resumir o que se convencionou chamar de música gótica. De alguma maneira, a banda traduz o que o gótico foi no passado e as transformações que sofreu com o tempo. É difícil definir o CoX de uma só forma, a banda teve muitas fases e várias transformações. Do pós punk ao electro gótico, do underground ao mainstream. Pioneiro da chamada darkwave, o grupo ganhou reconhecimento e esteve na vanguarda nos anos 80. Experimentou, ousou e se reinventou, mantendo-se em atividade durante todos os anos 90 e 2000. E essa história segue sendo contada...

O grupo (inicialmente chamado apenas de Xymox) foi formado em Nijmegen, na Holanda, no início dos anos 80. A formação inicial contava apenas com os amigos Ronny Moorings (voz e guitarra) e Anka Wolbert (baixo e teclados). Um pouco mais tarde, Pieter Nooten (teclados) - que já colaborava com a dupla - entrou oficialmente na banda. Inspirados pela new wave alemã, o pós punk britânico e o espírito "do it yourself" do punk, lançaram de forma independente o EP Subsequent Pleasures (1983). Com uma tiragem limitada de 500 cópias, o trabalho apresentava cinco faixas minimalistas e escuras. Atualmente esse EP é um item raro e considerado por muitos um clássico da chamada minimal wave. O disco foi relançado com faixas extras em 1994. Em 2014, ganhou um novo relançamento, dessa vez mantendo os padrões do original.



Vídeo Não-Oficial.
Call It Weird - a única faixa cantada por Anka no EP - resume bem o Xymox do início de carreira: um minimalismo hipnótico, psicodélico e escuro.
O grupo foi então "descoberto" e assinou contrato com a 4AD - a conceituada gravadora independente inglesa. Esse foi um período de intensa criatividade, a banda tocava com frequência nos clubes, abriu uma turnê do Dead Can Dance e tornou-se "cult" entre os alternativos da Europa. Na 4AD lançaram dois álbuns considerados essenciais para os amantes do gótico.

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Na foto abaixo: Pieter, Anka e Ronny. Ao fundo está Frank Weyzig (guitarra), "quarto membro" extraoficial da banda durante os anos 80. É dele o solo em "Cry in the Wind" e "Louise". Ele também foi autor de uma música ("Move the Glass"), tocada em alguns shows mas nunca lançada. Após deixar o Xymox, ele formaria o Born for Bliss, grupo de rock gótico.


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O álbum de estreia 
- "Clan of Xymox" (1985) - conseguia captar todas as vibrações góticas que estavam em voga naqueles anos. Dançante e introspectivo, apresenta o clima melancolicamente romântico característico do grupo. Contém pequenos hits que todo gótico que se preze já ouviu nas pistas, como "Stranger" e "A Day". A seleção ainda traz outras faixas marcantes, como a emocionante "Cry in the Wind" e a romântica "No Words". Mesmo Ronny se destacando como líder do grupo, Anka e Pieter também exerciam papel fundamental no processo criativo. Ambos assumem o vocal em duas faixas: "7th Time" (na voz de Anka) e "Equal Ways" (na voz de Pieter). Capa, conteúdo e formato, um álbum perfeito!



 O obrigatório segundo álbum - "Medusa" (1986) - mergulha mais fundo nas profundezas góticas. As faixas estão mais atmosféricas e sombrias. Contém os hinos góticos "Louise" e "Back Door", belos temas instrumentais, como "Theme II", além de outras preciosidades, como "Medusa", "Masquerade" (na voz de Anka) e "After the Call" (na voz de Pieter). Um trabalho que traduz a identidade do gótico dos anos 80. Esse disco, aliás, resume o que o gótico poderia ter sido: melancólico e sombrio, mas com autenticidade e elegância. Com o tempo, sabemos, o estilo caiu muitas vezes em clichês e pastiches.



Vídeoclipe clássico de Muscovite Musquito, música do primeiro EP regravada para a coletânea da 4AD "Lonely Is an Eyesore", de 1987.


Ronny, Pieter e Anka - O auge criativo do Clan of Xymox.


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Após o Medusa, o grupo assinou com a gravadora Wing, um braço da gigante Polygram. O nome foi novamente encurtado para Xymox e eles lançaram o álbum mais bem sucedido comercialmente da carreira: "Twist of Shadows" (1989), que vendeu cerca de 300 mil cópias. Os singles "Obsession", "Blind Hearts" e "Imagination" fizeram a banda ser conhecida nos EUA e alcançaram as paradas da Billboard. O disco mudou o Xymox de patamar e pode ser considerado um divisor de águas na carreira da banda. No álbum ainda estão presentes elementos característicos do pós punk e do gótico, mas diluídos em uma atmosfera mais "pop". Além das faixas já citadas, destaco: "Evelyn", "Craving" e o escondido lado B "Shame".

Vale lembrar que no início da década de 90, a sonoridade "gótica" já era considerada "datada", principalmente pelos grandes selos. O grunge e a acid-house ganhavam espaço, eram as novidades do momento. Logo, possivelmente pressionado por já estar inserido no mercado "mainstream", o grupo se viu "forçado" a mudar gradativamente a sua proposta estética, tornando-se menos "dark", mais comercial e abraçando elementos da emergente cena dance e acid-house da época.
Três álbuns foram lançados com essas "experimentações": "Phoenix" (1991) - o ultimo com Pieter, Anka e também na Wing Records - "Metamorphosis" (1992) e "Headclouds" (1993). De fato, são álbuns destoantes na carreira do Xymox. Parece outra banda, até o visual está totalmente diferente (chega a ser vergonhoso e forçado em alguns momentos). Apesar de esparsos bons momentos, se a intenção é conhecer um ícone da darkwave, fuja! Somente para colecionadores e curiosos.



Após muitos anos, passei a ouvir com mais disposição esses trabalhos, enxergando qualidades. Phoenix (1991), por exemplo. Com algumas adaptações, certas faixas até caberiam em trabalhos anteriores (Wonderland já estava presente nas primeiras demos, aliás). Mas independente disso, sem fazer comparações e avaliando apenas a nova proposta, é um bom álbum. Também achei interessante a maior participação de Anka nesse disco, cantando três faixas. Talvez tenha sido uma imposição da gravadora após o grande sucesso de Imagination. Meus destaques: The Shore Down Under, Believe Me Sometimes, Wonderland, Written In The Stars, Crossing The Water (ultima composição do Pieter para o CoX) e Smile Like Heaven

É importante destacar que nesse período a formação original já estava se desgastando, fato que muitos atribuem como determinante para uma progressiva queda de criatividade e qualidade. Ronny, obviamente, rechaça essas observações, insinuando que é apenas saudosismo e também que ele era o único ou o maior responsável pelo som do Xymox. Mas não é difícil encontrar comentários de Pieter no YouTube, dizendo que ele era o compositor da maior parte das músicas e que Ronny as vezes "boicotava" os demais. O fato é que essas falas mostram que a saída de Pieter e Anke não foram nada amigáveis. Para mim, o segredo do melhor Xymox era Ronny, Pieter e Anke trabalhando juntos. Havia uma sinergia única entre os três. 

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Vídeo de Spiritual High, do álbum Headclouds, com a participação da ainda desconhecida Mojca.





Ronny e Mojca - o casal gótico entra em cena.


Mojca Zugna, esposa de Ronny, entra para a banda nesse meio tempo de indefinições e a partir de então, os dois passam a ser os únicos membros fixos de constantes formações que viriam a seguir.



Em 1997, afastam-se do mainstream e retornam ao "dark" com "Hidden Faces". O nome é inspirado no romance de Salvador Dalí. O tom das letras é de decepção e descontentamento e algumas faixas parecem fazer referência - sempre em tom negativo - ao período "comercial" do grupo. É um disco variado, que começa a definir uma nova sonoridade para o grupo. A partir desse lançamento, assumem-se como góticos e tornam-se headliners dos principais festivais do gênero, como a Wave Gotik Treffen e o Zillo. Destaque para "This World", "Out of Rain", a oriunda do primeiro EP e repaginada "Going Round 97", o quase ethereal "November", o synthpop de "It's All A Lie" e "Hypocrite", a única faixa escrita por Mojca.




Em 1999, lançam "Creatures", agora com uma sonoridade totalmente gothic rock. O vocal de Ronny parece mais "cavernoso" do que nunca. Definitivamente o CoX era uma banda gótica produzindo música para góticos. E muitos góticos que já adoravam o Xymox da fase 4AD - mas passaram um bom tempo desiludidos devido a fase pop/dance - incluíram de vez o grupo em sua lista de favoritos. Nesse mesmo ano, fizeram show memorável no Brasil (tocaram aqui também em 2006, 2012, 2016 e 2019). A poesia romântica e existencial predomina nas letras. Destaque para a aula de Gothic Rock em "Jasmine and Rose" e "Crucified", as lentas e envolventes "Consolation" e "Creature", a doce "Falling Down" e o fantasmagórico tema instrumental "Without A Name" (com programação de Adrian Hates do Diary of Dreams).





Anúncio do primeiro show do Clan no Brasil, em 1999 (Folha de S.Paulo):


Abordando temas como a inocência do amor e a inevitabilidade das desilusões, "Notes from the Underground" (2001) é um disco variado: apresenta as sobras do gothic rock do álbum anterior ("I Want You Now"), flerta com o rock industrial ("Innocent") e começa a explorar o electro goth que caracterizaria as produções posteriores da banda ("The Same Dream" - com os belos vocais de apoio de Sonja Rozenblum). As músicas percorrem um labirinto musical, cheias de ruídos e mudanças de ritmos (um bom exemplo é "The Bitter Sweet"). Também destaco o post punk de "Something Wrong" (com a melhor introdução da discografia da banda, na minha opinião) e a deliciosamente depressiva "Internal Darkness" 



Na sequência, temos o lançamento de "Farewell" (2003). Aqui, o grupo consolida sua nova sonoridade, o chamado electro goth (Dark Electro-Goth, segundo o próprio Ronny).
O som está mais eletrônico, rápido e pesado. A nova proposta afasta os saudosos do Xymox inicial mas conquista novos fãs. As guitarras ainda estão presentes, permeando o clima épico-sombrio do disco. As letras dissertam sobre tristezas, rompimentos e despedidas (o nome do disco e as temáticas, geraram alguns boatos de que seria o último álbum do grupo). Destaque para o primor electro goth da sequência inicial, com "
Farewell", "Cold Damp Day" e "There's No Tomorrow", a levada pop gótica de "Into Extremes", a enérgica "Courageous" e a existencialista "Skindeep".




Turnê do Farewell em São Paulo, no festival Thorns Gothic Rave, em 2006:



"Breaking Point" (2006) é a continuação natural do álbum anterior, com poucas diferenças. Um pouco mais introspectivo, as guitarras aparecem cada vez menos e nota-se uma atmosfera mais leve. A verdade é que a relevância do CoX estava cada vez menor. Destaque para a faixa de abertura "Weak In My Knees", a desesperada crítica a cena gótica em "Calling You Out", a reflexiva "We Never Learn", a faixa instrumental "Pandora Box" e a oitentista "What's Going On".




Após algum tempo longe dos holofotes, a banda retorna com  "In Love We Trust" (2009). O disco é bem produzido e traz alguma modernidade ao electro goth do grupo. Destaque para a candidata a novo hit "Emily", as inspiradíssimas "In Love We Trust""Home Sweet Home", a melancólica "Morning Glow" e a dançante "Desdemona". Provavelmente o melhor disco dessa fase mais eletrônica.





"Darkest Hour"
(2011) mantém a boa produção do álbum anterior, mas aprofunda-se em climas densos e obscuros. Contém faixas com uma nostálgica atmosfera dark como "My Reality"e "In Your Arms Again" (aliás, temos outra introdução de destaque aqui também). Como de costume, esse disco mescla faixas mais agitadas, como "Delete", e outras mais lentas, como "Dream of Fools". Por fim, tenta resgatar as habituais faixas instrumentais com a faixa-título "Darkest Hour".








Em 2014, lançaram Matters of Mind, Body and Soul. Esse disco inova em relação aos últimos lançamentos. Aqui, arrisco dizer que houve mais uma mudança na sonoridade do grupo. O foco não é mais o electro goth, mas sim o synthpop. Os sintetizadores dominam. Os ritmos estão mais lentos, atmosféricos e exalam romantismo, sem perder a pegada dançante. Muitos estranharam esse registro, acusando-o de ser "arrastado" e "maçante" (a introdução de 7 minutos colabora para essa impressão). Requer um certo tempo para ser digerido. O curioso é que esse álbum foi pouco explorado até mesmo pela banda em seus shows. Destaques: She Is Falling in LoveHand in Glove, Love's on Diet, Months Ago e Kiss and Tell.


Em 2017, saiu o álbum Days of Black. Assim como o registro anterior, as camadas de sintetizadores continuam presentes, mas esse disco parece que tenta soar um pouco mais "pista". Ronny parece se esforçar para captar as influências mais sofisticadas da música gótica atual, ainda que muitas vezes falhe ou soe excessivamente artificial ou brega (essa capa que o diga!). Destaques: Loneliness, Set You Free, What Goes Around, Loud and Clear e Your Kiss.


Em suma, Clan of Xymox é uma banda singular que passeou com desenvoltura por quase todos estilos relacionados ao gótico. A combinação das batidas eletrônicas com guitarras e vocais melancólicos se tornou um cult nos anos 80, essencial pra entender o clima daqueles anos. O ressurgimento no final dos anos 90, agora totalmente imersos na subcultura gótica, os colocou como um dos grandes nomes da darkwave mundial. Goste mais de uma fase ou de outra, é inegável perceber a qualidade e o potencial de algumas canções.

Como a discografia é extensa e nossa intenção é fazer um apanhado geral com o essencial do gótico, selecionamos os dois primeiros álbuns - que consideramos obrigatórios - além de uma coletânea. Apesar de existir um "Best Of" oficial do grupo, fizemos nossa própria seleção, um pouco maior e com um apanhado geral da carreira (nossa coletânea vai até 2012).


Matéria: Guilherme Freon

Fontes:
4AD - Site
Clan of Xymox - Site
Unhur - Site
Arquivo Pessoal Freon



ÁLBUNS DISPONÍVEIS: